quarta-feira, 30 de março de 2011

Sobre dúvidas e decisões: o chamado de José Forjaz

Vejo que não consigo escrever crônicas puras, no sentido de que tudo que aqui escrevo vem imbuído de muitas confissões, desabafos meus. É o que eu chamo aqui de pseudo-crônica. Mas longe de mim ter a pretensão de chegar ao nível de um cronista, escritor de verdade, como meu pai era. Mas continuo escrevendo, ao meu jeito. Um método que tenho usado muito é referenciar alguma angústia pessoal a um acontecimento do cotidiano, abarcando assim tanto minha necessidade de escrever e sistematizar meus sentimentos como também o exercício da escrita sobre o cotidiano.

Hoje, portanto, vou rapidamente falar sobre uma angústia que tenho há tempos e é sempre recorrente – meu foco de atuação profissional – e sobre uma exposição que acabei de visitar sobre o arquiteto português José Forjaz.

Já devo ter mencionado aqui que sou de família humilde, pobre mesmo, pelo lado da minha mãe. Meu pai era jornalista – faleceu há 11 anos e não me viu ingressar na universidade. Sou a primeira universitária da minha família materna, minhas irmãs são as seguintes. Pela parte dos sete irmãos que minha mãe tem, até agora não tenho nenhum primo no terceiro grau. Ao passo que, muitos deles, alguns bem mais novos que eu, já têm um, dois ou até quatro filhos. E nessa realidade do Subúrbio Carioca e da Baixada Fluminense é que fui criada. Mas tive a sorte de ter pais que não me obrigaram a trabalhar precocemente e me incentivaram a seguir para uma faculdade. Por sorte do destino, escolhi uma carreira que me fez atentar para as condições básicas de sobrevivência de uma pessoa, de uma família – a questão da moradia digna e de uma infra-estrutura pública mínima para sua sobrevivência. Quando comecei a estudar, de fato, meu interesse era puramente técnico, pois sempre gostei muito de obra e da construção em si. Sim, eu sabia que tinha facilidade de desenho, senso de criatividade, gosto pelas artes plásticas, por história etc. Mas uma certeza que eu tinha – tinha até vir pra FAU USP – era que eu queria trabalhar com o exeqüível, vivenciar a construção, ou seja, sempre quis ser arquiteta de projeto do edifício.

Hoje não perdi uma gota deste interesse pelo projeto, pelo contrário, sinto que tenho muito mais coerência no ato projetual atualmente. O problema foi a inserção de outros ‘gostos’ na minha vida profissional. É claro que tudo só vem a somar intelectualmente, mas soma-se também uma dúvida freqüente sobre onde de fato direcionar meu empenho tanto acadêmico quanto profissional. Atualmente trabalho com expografia e museografia, e tem sido um exercício muito interessante neste universo cultural que tanto gosto. Mas e os projetos? Por enquanto só lá na FAU, mas daqui a pouco termina e a dúvida vai pedir uma decisão que eu não vou ter coragem de tomar.

Hoje a dúvida e o incômodo voltaram à tona. Fui à palestra do arquiteto e professor José Forjaz, que trabalha em Moçambique, apesar de ser português de nascimento e de formação. Só este prólogo já é muito instigante: um arquiteto de primeiro mundo (apesar dos apertos que Portugal anda passando ultimamente) que se engaja socialmente e vai construir sua vida e sua obra em um país africano. E ver e ouvir de perto sua palestra, onde ele evidenciou a situação econômica e social de Moçambique além de fazer um apanhado histórico do país, é no mínimo estarrecedor. Se nós, brasileiros, ainda carregamos o peso da colonização histórica, imagine um país que viveu o imperialismo até o século passado e só conseguiu a independência há 35 anos! Foi essa realidade que Forjaz foi enfrentar. Não vou descrever aqui seus projetos, por que obrigo você, caro leitor, a ir até o Museu da Casa Brasileira e ver suas pranchas em exposição. Mas é fácil de imaginar que Forjaz teve que trabalhar com a situação mais elementar da arquitetura – uma moradia digna para quem de fato precisa.

Foi esta mesma moradia digna que citei acima, justamente por que não me é uma realidade que eu tenha que ingressar – eu vim dela. Vim e ainda deixei lá muita gente que eu acredito que precisa de mim. Não da minha assinatura num projetinho de reforma ou da casa de praia, mas que faz parte de um conjunto que engloba a maioria do povo brasileiro que precisa de arquitetos dignos e responsáveis para atuar na construção de uma realidade que lhes apresente tanto a tal moradia digna como também infra-estrutura urbana, escolas bem projetadas, postos de saúde fisicamente funcionais, centros de lazer dignos etc. Não me debruçar pragmaticamente sobre esta questão, me faz sentir-me covarde.  Hoje, o Professor Forjaz me fez um chamado e eu sinto como se tivesse negado. 

O incômodo permanece e é bom que eu me incomode. E tomara que ele apareça bastante, até o dia em que eu tiver que decidir. E aí veremos se, enfim, atendo o chamado do Professor Forjaz.

3 comentários:

  1. Oi, Mariana! Que delícia receber um comentário seu lá no transbordarquitetura!. Obrigado por isso.

    Que bom saber que compartilhamos também das mesmas angústias de alimentar um blog, além daquelas já tão típicas de sermos transferidos na FAU. Acho que arquitetura e palavra tem mesmo tudo a ver!

    Acho também que você não deve se preocupar tanto em se encaixar num contexto definido, fazer crônicas, pseudo-crônicas ou qualquer coisa nesse sentido. Acho que o mundo do blog nos permite pensar diferente, é mais amplo e menos rotulador, e talvez isso te deixe mais tranquila para escrever do jeito que for.

    Ao menos isso serve pra mim. Eu penso no meu blog, o transbordarquitetura!, mais parecido com o CONGLOMERADO do Oiticica do que com um livro, sabe? Oiticica tentando criar um livro fechado e hermético, não deu conta e acabou fazendo uma outra coisa: uma coletânea de pensamentos, fragmentos de palavras, citações e tudo mais que um livro não consgeue abarcar. Eu tento levar o blog assim, como um recanto para todo tipo de pensamento e desejo que se instalam na palavra.

    !!!

    Compartilho do seu chamado de hoje, me sinto igual e imensamente transformado pela multiplicidade de coisas que se somaram ao meu desejo de projetar arquitetura. Isso não é muito bom? Sei como é difícil parecer fugir cada vez mais do projeto, mas cadavez acho mais que arquitetura é tudo aquilo que não se diz sobre arquitetura.

    Enfim, já escrevi demais...continuamos.
    beijo!

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  2. "Arquitetura é tudo aquilo que não se diz sobre arquitetura". Estou a refletir sobre sua afirmação!
    Obrigada pelas palavras, querido!
    Nos esbarramos pela FAU e pela vida! Bjo!

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  3. Quantas palavras bem articuladas! Fazem-me considerar que ser despachada como sou, nao eh nada chic, nem estiloso enfim!

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