Não é de
hoje que eu sinto na pele a visível diferença no modo de vestir-se entre cariocas
e paulistas. E não é só nas roupas, mas também, e principalmente, como os
moradores das duas cidades lidam com a sensualidade do seu corpo, não entre
quatro paredes, mas sim nas calçadas, nos bares, no ônibus e por aí vai.
Um amigo quase-carioca
me comentou que, ao se ausentar do Rio, a primeira coisa que ele sente falta é
de coxas. Sim, das coxas das moças! Ver coxas, ombros, decotes, aqueles dois
dedinhos de cintura das mocinhas é coisa mais que habitual no Rio. Ao passo
que, para nós meninas (sim, tenho 30, mas ainda sou menina!), não temos nada
tão à vista assim, mas é facílimo identificar os contornos masculinos pelas
roupas devidamente ajustadas que os meninos do Rio usam. E assim se faz a fama
dos cariocas: moças e rapazes que lidam naturalmente com a sensualidade do seu
corpo, sem ser vulgar na maioria das vezes.
Já na terra
da garoa... Pois então, aqui o buraco é mais embaixo, a pele é bem menos
bronzeada e as roupas são bem mais generosas, assim digamos. Sim, claro, o frio
ajuda e muito a aumentar o comprimento dessas roupas e a diminuir a coragem dos
paulistanos em se “exibirem”. Menos cores, mais tons de cinza, tecidos menos
esvoaçantes... E assim se faz o estigma do paulistano: fechado em casacos,
olhar indireto, coxas sob meias-calças, rostos sob densas barbas, decotes sob
echarpes. Mesmo no verão, no calor de 30° de São Paulo, quando jogam uma cor
discreta nos cinzas e quando os paulistanos sacam do guarda-roupa aquela calça
cortada que virou bermuda, mesmo assim nada é tão animador pra quem tem o olhar
acostumado aos trajes e corpos cariocas.
Antes que o
caro leitor deduza que eu sou uma carioca ultra-sensual, exibida e reclamona,
eu digo aqui que, atualmente e depois de cinco anos em terras paulistanas, eu
estou mais pra cinza do que pra multicor! A idade avançada (tenho 30 sim, qual
o problema?) também não me permite grandes exibições. Abandonei os shortinhos, as blusinhas tomara-que-caia,
o cabelão selvagem, as calças justas de stretch. Mais ainda assim, não consigo
ser tão “cinza” quanto os paulistanos. E nem mais tão voluptuosa quanto minhas conterrâneas.
Estou ali no meio-termo, no estilo cobertor curto: cobre aqui, mostra ali.
Neste
carnaval, tive a constatação do que é estar no meio-termo: Fui à Lapa, à noite,
com sandalinhas rosas (odeio rosa! mas só tinha esta cor), um shortinho
emprestado de uma prima, cabelinho e franjão arrumados, bem maquiada, bem
enfeitada com bijuterias, mas... Sem ombros de fora e sem decote à mostra. Comprei uma
camiseta comportada em uma loja de adoção de animais com a frase “Sem Raça
Definida”, tecido preto com letras garrafais em branco. Achei interessante
usá-la no carnaval. Assim como os vira-latas, também acho que sou uma SRD, meio
preta meio branca, meio lisa meio crespa, meio carioca meio paulistana, meio cinza meio colorida. Mas de acordo com parâmetros exibicionistas
cariocas, eu estava fora do padrão, e não é interessante estar fora do padrão
no Rio. Em São Paulo sim! Em São Paulo é cool ser diferente, não ser
convencional. Mas no Rio não. Do alto dos meus 1,85m, cheguei a escutar uma
dúvida nos rapazes: “Ela é ele? Ela gosta de meninas?”. Sim, caro leitor, nessa
vida a gente escuta de tudo! Mas enfim, foi o preço que eu paguei. Ao invés de
lerem “Sem Raça Definida”, os rapazes entenderam “Sem Orientação Sexual
Definida”. Êta limitação de pensamento,
hein meninos do Rio!
E antes que
meus caros leitores peçam para eu colocar uma foto com o visual daquela noite
de carnaval, disponho aqui uma foto da camiseta “Sem Raça Definida” com um
conteúdo bem mais interessante do que esta aqui que vos escreve!
Quem quiser adquirir esta camiseta: http://www.naturezaemforma.org.br/ |