segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Sem raça definida

Não é de hoje que eu sinto na pele a visível diferença no modo de vestir-se entre cariocas e paulistas. E não é só nas roupas, mas também, e principalmente, como os moradores das duas cidades lidam com a sensualidade do seu corpo, não entre quatro paredes, mas sim nas calçadas, nos bares, no ônibus e por aí vai.

Um amigo quase-carioca me comentou que, ao se ausentar do Rio, a primeira coisa que ele sente falta é de coxas. Sim, das coxas das moças! Ver coxas, ombros, decotes, aqueles dois dedinhos de cintura das mocinhas é coisa mais que habitual no Rio. Ao passo que, para nós meninas (sim, tenho 30, mas ainda sou menina!), não temos nada tão à vista assim, mas é facílimo identificar os contornos masculinos pelas roupas devidamente ajustadas que os meninos do Rio usam. E assim se faz a fama dos cariocas: moças e rapazes que lidam naturalmente com a sensualidade do seu corpo, sem ser vulgar na maioria das vezes.

Já na terra da garoa... Pois então, aqui o buraco é mais embaixo, a pele é bem menos bronzeada e as roupas são bem mais generosas, assim digamos. Sim, claro, o frio ajuda e muito a aumentar o comprimento dessas roupas e a diminuir a coragem dos paulistanos em se “exibirem”. Menos cores, mais tons de cinza, tecidos menos esvoaçantes... E assim se faz o estigma do paulistano: fechado em casacos, olhar indireto, coxas sob meias-calças, rostos sob densas barbas, decotes sob echarpes. Mesmo no verão, no calor de 30° de São Paulo, quando jogam uma cor discreta nos cinzas e quando os paulistanos sacam do guarda-roupa aquela calça cortada que virou bermuda, mesmo assim nada é tão animador pra quem tem o olhar acostumado aos trajes e corpos cariocas.

Antes que o caro leitor deduza que eu sou uma carioca ultra-sensual, exibida e reclamona, eu digo aqui que, atualmente e depois de cinco anos em terras paulistanas, eu estou mais pra cinza do que pra multicor! A idade avançada (tenho 30 sim, qual o problema?) também não me permite grandes exibições.  Abandonei os shortinhos, as blusinhas tomara-que-caia, o cabelão selvagem, as calças justas de stretch. Mais ainda assim, não consigo ser tão “cinza” quanto os paulistanos. E nem mais tão voluptuosa quanto minhas conterrâneas. Estou ali no meio-termo, no estilo cobertor curto: cobre aqui, mostra ali.

Neste carnaval, tive a constatação do que é estar no meio-termo: Fui à Lapa, à noite, com sandalinhas rosas (odeio rosa! mas só tinha esta cor), um shortinho emprestado de uma prima, cabelinho e franjão arrumados, bem maquiada, bem enfeitada com bijuterias, mas... Sem ombros de fora e sem decote à mostra. Comprei uma camiseta comportada em uma loja de adoção de animais com a frase “Sem Raça Definida”, tecido preto com letras garrafais em branco. Achei interessante usá-la no carnaval. Assim como os vira-latas, também acho que sou uma SRD, meio preta meio branca, meio lisa meio crespa, meio carioca meio paulistana, meio cinza meio colorida. Mas de acordo com parâmetros exibicionistas cariocas, eu estava fora do padrão, e não é interessante estar fora do padrão no Rio. Em São Paulo sim! Em São Paulo é cool ser diferente, não ser convencional. Mas no Rio não. Do alto dos meus 1,85m, cheguei a escutar uma dúvida nos rapazes: “Ela é ele? Ela gosta de meninas?”. Sim, caro leitor, nessa vida a gente escuta de tudo! Mas enfim, foi o preço que eu paguei. Ao invés de lerem “Sem Raça Definida”, os rapazes entenderam “Sem Orientação Sexual Definida”.  Êta limitação de pensamento, hein meninos do Rio!

E antes que meus caros leitores peçam para eu colocar uma foto com o visual daquela noite de carnaval, disponho aqui uma foto da camiseta “Sem Raça Definida” com um conteúdo bem mais interessante do que esta aqui que vos escreve!

Quem quiser adquirir esta camiseta: http://www.naturezaemforma.org.br/

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Doctor Lecter e seus filhos

Gosto muito de filmes. Já vi muita coisa, mas confesso que já vi muito filme ruim, muita porcaria que nos empurram goela abaixo. Hoje sou mais seletiva, chego a recusar convite de amigos pra ir no cinema quando eu sei que o querido vai querer ver a última comédia romântica de Hollywood no Cinemark mais próximo. Esses dias eu conversava com minha irmã sobre o filme “Rio”, animação na verdade, e ela, que viu o filme, disse que gostou e tal. Eu respondi dizendo que não assisti e que tenho preguiça de ver (este é sempre meu argumento para não ver filme blockbuster: tenho preguiça de ver!), além de comentar que o filme me parece um tanto caricato, porque o vilão é um macaco, porque passa a imagem mais do que veiculada de um Rio de Janeiro praiano, vida boa, bossa nova, blá, blá, blá... Ela foi taxativa: me disse que eu tenho que parar de ser cri-cri, reclamona, chata... Talvez ela tenha razão. Ah não! Não mesmo! Morro chata, mas não morro num Cinemark de shopping center!
Mas para os meus caros leitores (Alô, tem alguém aí?) não acharem que eu sou uma nerd cinéfila, vou confessar que sou apenas uma iniciante na arte de apreciar cinema. E ainda tenho muitos filmes pra ver  e os chamados clássicos que eu ainda não vi, confesso! Mês passado, comprei alguns deles: a trilogia do “Poderoso Chefão”, alguns antigos do Scorsese (Adoro! E, assumo, adoro os recentes com o Leo DiCaprio!), uns westerns e... Comprei “O silêncio dos inocentes”. Como eu ainda não tinha visto este filme? Como não? Pois então, fui assistir.
Sentada no grande sofá da sala da casa da minha mãe, no Rio, sozinha, na madrugada... Só eu e o Doctor Lecter. Como dizem aqui em São Paulo: Um puta filme! Sou suspeita para elogiar o Anthony Hopkins. Às vezes eu digo que um ator é ruim porque só faz o papel dele mesmo, sempre com o mesmo jeitão. Exemplo fácil: Sandra Bullock, só faz papel de mulher workaholic, solteirona e desajeitada (e levou o seu Oscar justamente por um papel oposto a isso!). Mas o Hopkins me parece ser o próprio Hannibal! Juro que tenho minhas dúvidas se, de vez em quando, o Hopkins não come uns pedacinhos de carne humana! Brincadeirinha... Ele é um ator de um filme só, aliás, de um personagem só.
Mas voltando ao filme, vou aqui confessar: Não me empolguei tanto. Não estou dizendo que o filme é ruim, longe disso. Falo exatamente de empolgação. Sem sustos, sem gritos, sem aflição... Fiquei frustrada. Mas o filme é bom, realmente bom. E porque eu não estava excitadíssima após a minha sessão caseira de cinema? Achei a resposta: Porque eu não o vi em 1991, claro!
Passaram-se 20 anos apenas, mas hoje são outros tempos, de fato. Imagino eu que em 91 este filme tenha causado todo o rebuliço que eu imaginei sentir, mas hoje, no século seguinte, concordo que o espectador tem que se esforçar para se emocionar com os clássicos de 20, 30 ou 50 anos atrás. E isso é triste! No caso de “O silêncio dos inocentes”, eu logo lembrei da enxurrada de seriados que temos atualmente que tratam justamente do tema abordado neste filme: investigação policial e serial killers. Estes “Criminal Minds” de hoje em dia são todos filhos de Lecter! E a exibição massiva deste gênero, na TV principalmente, acaba por banalizar o tema. Eu mesma faço pouco caso de filmes sobre investigação criminal. Tento lembrar o último que vi e constato que foi justamente um Scorsese, “Shutter Island”, aqui traduzido mal e porcamente como “A Ilha do Medo”, que aliás nem pode-se dizer que é uma investigação criminal sui generis.
E voltando ao filme, novamente, recomendo aos caros leitores (Alô?) se ainda não o viram, que o vejam! Só a cena final clássica, com a Jodie Foster sendo perseguida no escuro, vale muito à pena. Só não recomendo a famigerada continuação da trilogia. Aliás, odeio trilogias! Ah, sou chata mesmo! Já assumi lá na introdução deste texto. Mas tem exceções, é claro, e “O Poderoso Chefão” é uma delas, porque o segundo é melhor que o primeiro... Mas essa resenha fica pra outro post!