quarta-feira, 25 de maio de 2011

A sociedade do registro

Talvez o tema sobre o qual irei discorrer já esteja um tanto demodê. Aliás, demodê é esta palavra! Digamos então: antiquado, anacrônico. O que importa é que ainda continuo achando absurdo o significado que as pessoas atribuem às fotografias e registros em geral. Tenho ficado cada vez mais extasiada com a importância que o registro tomou em detrimento do acontecimento em si.

No último domingo vi um caso na TV, onde a mulher estava desesperada pelo fato do fotógrafo não ter comparecido ao seu casamento. Ela então o processou e dizia que dinheiro nenhum iria trazer aquele momento (não registrado devidamente) de volta. Ok relevemos, pois era o casamento dela, evento único (assim esperamos que seja!) da vida de uma mulher. Mas que eu me lembre bem, no meu tempo, estes momentos importantíssimos eram gravados principalmente na memória! Claro, a foto e a filmagem são registros detalhados, que podem inclusive mostrar o evento para quem não o viveu. Mas tornar o registro algo tão imprescindível assim, me faz duvidar da essência do evento. E me faz perguntar: o importante é viver ou registrar?

É claro que registrar significa muito mais do que ter um material para reavivar sua memória. Significa exibir concretamente aquele momento, que para você foi tão especial, para outras pessoas.  E aqui se encontra o cerne da questão: até que ponto “vivemos” um momento especial sem pensar em como sair bem na foto? É claro que a difusão das redes sociais e o advento (já tão popularizado) da câmera digital elevam tudo isso à enésima potência.

Mas convenhamos que de fato é um martírio ver noivos perdendo 2/3 da festa do casamento tirando aquelas 500 fotos, crianças com sorriso engessado para o deleite dos pais aspirantes a fotógrafos etc. Ao passo que vemos adolescentes eufóricos fazendo mil poses para que pelo menos uma delas fique decente e possa ser exibida no Orkut e afins. Mas o pior para mim é ver um álbum inteiro de fotos de viagem do indivíduo e perceber que em todas as imagens o dito cujo está lá com a cabecinha torta tentando aparecer no enquadramento. Ou seja, não basta o fulano exibir que enfim conseguiu fazer aquela viagem e exibir todas as paisagens, construídas ou não, da tal cidade, não basta! O desgraçado exibido tem que aparecer como um carimbo na foto, como uma nota de rodapé! Sim, justo, porque foto ele pode baixar na internet, mas foto carimbada com sua cabeça torta só o incompetente pode fazer.

Podem me chamar de chata ou o que for. Mas pra mim quem muito registra em fotografia, pouco tem a mostrar. Creio que ganhamos muito mais presenciando o momento na sua essência, sozinho ou em boa companhia, atento aos detalhes, às cores, ao cheiro, aos sorrisos, às vozes, aos sons, ao movimento repentino, aos contrastes, ao instante... Porque a foto pode até te lembrar depois, mas se não percebemos estes detalhes, a foto vai ser mais uma foto nitidamente vazia, como tantas que vemos por aí.

PS: Que fique claro que eu adoro fotografia! Taí uma fotinho que eu achei inusitada: Caramelo Dog no Caramelo da FAU!



domingo, 15 de maio de 2011

Sim, estou fugindo de gente "diferenciada"

É curiosamente estranho quando uma situação pontual muda o seu cotidiano e sua forma de pensar sobre um assunto delicado. Pois então, sendo bem direta, fui assaltada na esquina da minha rua há quase um mês. Nada muito traumático, um assalto até leve: não vi arma, o rapaz não foi hostil, não tive grande perda material e, surpreendentemente, minha carteira repleta de documentos foi deixada na biblioteca da FAU USP, duas semanas depois da ocorrência! Graças às preces da minha mãezinha e pela boa menina que sou, Deus está sempre me protegendo das hostilidades desta minha vida metropolitana.

Já passei por apuros bem piores na capital fluminense. Já vi cenas muito piores. Já corri e deitei no chão por barulhos muito piores. Já vi pessoas e objetos muito mais ameaçadores. E, infelizmente, nestes mesmos termos, já perdi uma pessoa muito amada. E nem por tudo isso deixei de viver a minha cidade natal. Nem por isso nem por qualquer outra coisa, eu deixaria de andar pelo Rio como se sempre estivesse andando no quintal de casa.

Mas aqui em Sampa City a coisa não aconteceu bem assim. Não sei se é por viver sozinha aqui, por não ter o recanto seguro do colo de mãe por perto, que manda você dormir enquanto ela resolve tudo num piscar de olhos. Ou por ter sido a primeira vez que passei apuros sem ninguém pra se desesperar ou chorar junto comigo. Só sei que a coisa mexeu com a cabeça de quem vos escreve.

Sim, estou um pouco cismada com o mundo à minha volta. Andando rápido pelas ruas, colocando os documentos no bolso e o dinheiro no sutiã. Se alguém quiser levar a minha bolsa, pode levar! Só terá moedas, por que nem celular eu tenho mais! Mas não é com a perda material que eu me preocupo. Aliás, não é com o que “eles” vão levar que eu me preocupo. O que está tirando minha tranqüilidade é o susto. Sim, a possibilidade de ser abordada a qualquer momento e, conseqüentemente, o susto que eu vou tomar. Quer levar a bolsa (vazia)? Sem problemas, mas vem avisando aos poucos que sua intenção será essa, por gentileza.

Já escrevi quatro parágrafos, prometi ser direta, e cá estou sem ir ao ponto. Vou ser breve: o ponto é a desconfiança que estou criando de pessoas “diferenciadas” na rua. Não, não estou me referindo ao churrasco de Higienópolis, mas a tal “diferenciação” me parece ser a mesma a que me refiro. Agora o prezado leitor imagine eu, uma garota (não gosto de me chamar de mulher, prefiro até menina!) criada no subúrbio carioca, no pé de favela, de família que nunca teve carro, que andou o Rio de norte a sul e mais a Baixada, que no churrasco de família o que rola é pagode e itaipava, que adora futebol e suas extensões (sim, sou rubro-negra, claro!)... Imagine eu, quem voz escreve, andando em São Paulo tendo receio de qualquer gente “diferenciada”, que use bermudão e boné que venha na minha direção? Logo eu, filha de preto, com primos negões enormes (no melhor estilo MV Bill!), com primas lindas que fazem o sucesso no baile funk (sim, pelo menos duas vezes por ano, eu as acompanho!), e com uma irmã que já pertenceu assiduamente ao fã-clube do Exaltasamba (sim, eu já fui a muitos pagodes com ela!)... Eu nunca tive nenhum preconceito ou estigmatizei pessoas que compartilhem destes gostos. Não é hipocrisia! O que eu não gosto, eu não gosto. Não tenho problemas em dizer que não gosto de certos gostos do povão. Mas nunca apontei o dedo pra dizer que bandido, pivete ou ladrãozinho mequetrefe é aquele que ouve funk no celular nas alturas, que usa roupa surfwear, que tem canela seca e cara de mau. Até porque, pelo que expus aqui, estarei cortando na minha própria carne.

Sempre condenei gente (e já falei na cara de muitos deles) que acha que todo moleque pobre de comunidade está a um passo de ser bandido. E, neste sentido, também condeno as pessoas que não andam a pé pela cidade e que, portanto, preferem a segurança dos shoppings centers a uma boa tarde de compras na Rua do Ouvidor ou na Rua Teodoro Sampaio, porque nos shoppings, além do ar condicionado, ninguém é obrigado a ver gente “diferenciada”.

Mas a verdade é que, ontem, ao invés de ir ao supermercado atacadista perto de casa, que costumo ir há quatro anos, que fica literalmente no pé da favela, fui ao Carrefour, que fica dentro do shopping. A verdade é que estou assim. Mas não pretendo ficar assim. Não quero ser assim.