quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Minhas madrugadas com o passarinho

Nada como uma madrugada em claro para aproveitar e atualizar meu blogzin! Nada de discussões profundas por hoje, afinal já são 5h30 da manhã e preciso sair de casa às 7h. Nem textos dramático-melancólicos, pois a madrugada já deu conta do recado. A pedida de hoje é simplicidade e trivialidade.

A primavera está por vir e o frio de São Paulo já começa a ficar gostoso. Pra ser sincera, depois de quase cinco anos, eu já posso dizer que aprendi a gostar do frio paulistano, já sei aproveitá-lo de forma interessante e já não acordo todo santo dia reclamando da friaca ao sair de casa. Nesta madrugada de hoje, eu permaneci acordada, entre ver um programa na TV e fuçar curiosidades fúteis na internet, mas com a porta da sacada entreaberta. A “brisa” paulistana entra na sala e parece trazer um pouco da cidade que está lá fora. Traz o frio, traz os cheiros, os sons...

Aqui na várzea uspiana, como costumo chamar os arredores do campus da USP, a cidade não tem som nem cheiro de metrópole. Sempre quando salto do ônibus na volta do trabalho, sinto um cheiro de mato úmido e frio, que me faz lembrar as noites do meu 2º grau em Chiador-MG. E quando a primavera começa a dar sinal, a brisa das madrugadas traz o som de uns pássaros que circulam aqui pelas poucas árvores que enfeitam meu condomínio. Não entendo de pássaro nem do som que eles emitem, mas é interessante escutá-los.

Há um ano eu estava saindo com um paulista que volta e meia aparecia aqui na minha porta no meio da madrugada. Com ele o jogo era aberto, não havia nenhuma perspectiva de relacionamento, digamos, profundo e, portanto, eu não esquentava a cabeça se ele batia na minha porta às 3h da manhã. E sempre quando ele chegava por aqui neste horário, havia um bendito passarinho que começa a cantar. Uma vez ele, o rapaz da madrugada, chegou a avistar o passarinho numa árvore do condomínio. Só ele viu, apontou, mas eu, sem óculos ou lentes, só escutava a cantoria.

Um ano passou, o rapaz vai muito bem, obrigada, só que com outra garota, e eu sigo em frente nas minhas madrugadas, solitárias ou não. Mas a cantoria continua. Hoje eu saquei o primeiro canto da madrugada, exatamente às 2h57! Pontualidade britânica do danado do passarinho! Ele canta sozinho, um canto repetitivo, alto, quase estridente. E assim ele segue, solitário, cortando o silêncio da madrugada. Logo a manhã se aproxima e os outros passarinhos vêm para se juntar a ele. E em seguida, o barulho dos carros começa a perturbar a cantoria dos pássaros. O som dos ônibus freando e depois acelerando no ponto, os caminhões pesados e suas cargas quicando no asfalto, os automóveis impacientes e suas buzinas... Pronto, hora de largar a madrugada e se apegar no dia que começa.

Antes desta manhã começar, eu saí à sacada do meu apartamento para sentir um pouco mais do frio e do som do pássaro e ali fiquei por um bom tempo. Dois gatos circulavam à vontade pelo estacionamento. Lembrei da figura do meu pai, nas manhãs cariocas de folga do trabalho, em que ele se debruçava na janela depois do café da manhã e jogava pedacinhos de miolo de pão para as (extintas) rolinhas no quintal. Elas compareciam em bom número, o banquete durava por volta de meia hora. Meu pai assobiava e as rolinhas apareciam. Nosso falecido cachorro, Marronzinho, espreitava de longe e ameaçava pegar um ou outro pedaço maior de miolo de pão que caía no quintal.

Hoje não tenho mais quintal. Tenho estacionamento. Os passarinhos não freqüentam mais este “térreo”, vivem todos em outro andar, o qual minha visão debilitada não alcança. Eu falava no início do post de coisas simples e triviais, porém não menos especiais. Quer cena mais simples, especial e bonita do que um quintal rodeado de árvores frutíferas, numa manhã ensolarada, um cachorro preguiçoso te espreitando e rolinhas gulosas atrás de miolo de pão jogado da janela?

Não consegue imaginar esta cena? Então, caro leitor, aproveito para recomendar-lhe um filmezinho francês “La tête en friche”, que aqui traduziram para “Minhas Tardes com Margueritte”, com o sempre divertido Gérard Depardieu. Pelo cartaz do filme você já pode fazer uma analogia com o que descrevi acima: uma velhinha, pombos gulosos, sol de meio de tarde, o verde do parque...



Amanheceu. Amanheçamos então!