quinta-feira, 17 de junho de 2010

Marcas Cicatrizadas

Ele estava sentado no chão, num degrau. Eu o vi de relance, de costas, e me assustei, me surpreendi com ele ali sentado. Ele estava sem blusa, suas costas à mostra tinha aquele mesmo tom moreno de sempre, sem nenhuma marca aparente. Nervosa, eu sentei ao seu lado, pois já não conseguia o observar de pé, minhas pernas bambeavam. Sentei e mirei seu rosto, que tinha um sorriso quase sem-vergonha, de quem andou aprontando umas e outras. Ele não me encarou no primeiro instante, olhava para o horizonte como se estivesse a refletir. Olhando aquele sorriso, eu o perguntei: “Por onde vc andou? Onde vc estava esse tempo todo? Por que sumiu por tanto tempo?” Ele me olhou nos olhos, sorriu mais ainda e disse que agora ele estava pronto pra voltar, que suas marcas já estavam cicatrizadas. Me perguntou se eu queria ver as suas marcas. Eu gelei e disse que não. Eu não precisava ver as marcas do resto do corpo, pois aquela do rosto havia desaparecido. Sua face era limpa e doce, barba feita, cavanhaque desenhado, dentes branquinhos. Olhando-o, eu senti meu corpo formigando de cima a baixo. Minha voz travou, eu soluçava com o choro iminente. Uma sensação de alívei, como se tudo tivesse voltado ao seu lugar. Era a emoção de vê-lo de novo, de volta, ali vivo ao meu lado. E aquilo que eu sentia era real, a sensação física foi real. O resto foi apenas sonho.

Foi rápido, mas foi suficiente pra ele me avisar que ele está bem. Eu entendi o recado.

Da última vez que eu o vi, ele veio pra me dizer que estava tudo bem, mas as marcas eram visíveis, no rosto, no peito, na barriga. Não sangravam mais. E eu entendi aquele primeiro recado. Fez minha revolta se transformar em saudade. Mas ainda penso nele e às vezes a indignação é inevitável.

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