quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Impressionismo e Van Gogh

A grande exposição do ano, sem dúvida, já é a mostra Impressionismo: Paris e a Modernidade - Obras-Primas do Acervo do Museu d’Orsay, que acontece atualmente no CCBB-SP e em outubro já estará no CCBB-RJ. Hoje finalmente consegui visitá-la, ainda que enfrentando uma caprichosa fila na entrada. Nada comparado ao sábado último, quando me aventurei até o centro de São Paulo e pude constatar o que é uma fila de exposição blockbuster nos fins de semana! Os paulistanos (e os forasteiros e visitantes também, não?) estão de parabéns pela paciência e vontade para enfrentar uma enorme fila, neste pseudo-verão que se instalou momentaneamente em São Paulo, para então conferir os ditos impressionistas. E o CCBB também está de parabéns, por viabilizar uma mostra de tal magnitude a custo zero para o visitante! Daí justifica-se a fila, a mais justa e gratificante fila!

Pois bem, consegui entrar às 20h no CCBB e pude contemplar as obras por apenas duas horas. Não, apenas duas horas não são suficientes para observar texturas, nuances, gestos, cores e tudo mais das telas de Manet, Renoir, Pissaro, Monet, Degas, Cézanne, Gauguin e tantos outros, “mais impressionistas” ou “menos impressionistas”.  A exposição ocupa quatro andares do CCBB, que apesar de todos os esforços expográficos, é sempre um local difícil para se trabalhar uma exposição. Os núcleos estipulados pela curadoria começam em uma sala e terminam em outra sala, só que em outro andar! Os painéis gráficos de introdução de cada núcleo são obrigados a repetir-se pelo espaço expositivo,  fazendo a ligação do que ficou no andar anterior com o andar seguinte. Mas a arquitetura eclética e muito bem conservada do edifício do CCBB, que nos é apresentada ao sair de uma sala para então descer as escadas e entrar na próxima sala, compensa qualquer dificuldade em acompanhar o pensamento curatorial da mostra.

Deixando o papo crítico de lado, voltemos à contemplação das telas. Como eu disse, duas horas não foram suficientes para tanta curiosidade e admiração. Posso chutar que são umas 50 obras, nenhuma passível de ser “pulada”, daí o caro leitor já imagina o quanto de tempo deve reservar para este passeio pela Paris do fim do século XIX e início do século XX. E reserve também um arsenal de “desculpa!”, porque possivelmente você irá dizer esta palavrinha a cada 5 minutos, toda vez que esbarrar no visitante do seu lado. Sugiro também preparar o ouvido e a paciência, para escutar coisas do tipo “O Rio Sena é bem mais bonito ao vivo”, “Nossa, quando eu subi na Torre Eiffel, não imaginava que ela fosse construída para uma exposição ao ar livre!” ou ainda “Que castelo lindo!”, referindo-se à Catedral de Notre Dame (Sim, eu ouvi isso de uma visitante).

Mas eis que então, surge o guardinha do CCBB e nos lembra de que faltam apenas 7 minutos para encerrar a visitação, e eu, ainda na metade da última sala! Mesmo sabendo que eu iria voltar a ver estas obras na remontagem da mostra no CCBB-RJ, eu não teria a mínima condição de sair daquele lugar sem antes ver de perto a única tela ali exibida de Vincent Van Gogh. Não lembro se já comentei aqui nas entrelinhas do Entre Esquinas, mas Van Gogh é certamente meu pintor favorito! Como pintor e como alma angustiada, inquieta, inapreensível. Li a biografia dele há alguns meses e talvez ainda não tenha me recuperado do exercício terapêutico que foi estudar a fundo a alma deste cara (Sou carioca... Posso chamar o Van Gogh de ‘cara’!). E ali estava eu, bem nas telas de Gauguin, observando paulatinamente a tão famosa luz das telas dele, quando ouço o toque de recolher do guardinha. Minha mente se esquivou de Gauguin e eu girei em torno de mim mesma, fazendo uma tomada geral da sala, à procura daquele “filho único de mãe solteira” que o Museu D’Orsay disponibilizou para vir ao Brasil, dentre tantas outras obras de Van Gogh que o museu possui.  Achei. Ali, logo depois da seqüência do Gauguin.

O vidro (que protege a grande maioria das pinturas) deixa a tela um pouco nivelada demais, brilhosa, distante. Mas estava ali, um Van Gogh de Arles, de 1888 se não me engano, à época da estadia de Gauguin na famosa casa amarela. Com certeza não é um Van Gogh pleno, maduro, autônomo. Era uma obra de Van Gogh na sombra de Gauguin, daquele período tão conturbado da sua vida e mergulhado naquela amizade que talvez seja a mais intrigante de toda a história da arte. A legenda da tela resumia que Van Gogh copiou “escrupulosamente” a técnica de Gauguin... Escrupulosamente... Passei os últimos 5 minutos dentro daquela sala lamentando a injustiça, a covardia, a superficialidade com que Van Gogh foi tratado nesta exposição.  Ok, sou fã do cara, talvez eu esteja exagerando, mas confesso que saí profundamente decepcionada. Eu já sabia que só teria uma única tela de Van Gogh, mas não sabia que ele seria tratado como um desdobramento “escrupuloso” de Gauguin. Para não lamentar muito, vou entender que Van Gogh seja um desdobramento do Impressionismo, que ali se inspirou, mas que ali não ficou. E penso que seja isso mesmo: Van Gogh não teve a devida participação nesta mostra porque é um capítulo à parte do Impressionismo, ou como chamam um “pós-impressionista”. Criou sua própria estética, sua técnica, sua paleta de cores, seu caminho... Seu caminho entre corvos. Não sei quais motivos regeram a escolha da curadoria do Museu D’Orsay de incluir apenas um Van Gogh, mas talvez a peculiaridade tão densa do pintor holandês não coubesse na pluralidade desta mostra coletiva. Vou entender desta forma.

Mas ainda assim, na solitária tela 'La salle de danse à Arles', estavam o azul e o amarelo da sua paleta, suas cores que exprimiam a alegria e a vivacidade. E com umas pinceladas com o vermelho e o verde, mais ao fundo, suas cores ligadas à tristeza e à morte. Em termos de cores, um Van Gogh completo! Por fim, escuto de um visitante: “Morreu com apenas 47 anos!” e não hesitei em corrigi-lo imediatamente: “30 e 7 anos! Apenas 37 anos”.

La salle de danse à Arles, Vincent Van Gogh.

2 comentários:

  1. Quando soube que meu filho tem autismo, li muita coisa e entre tantas informações, uma se destacou: a de que Van Gogh seria autista. Na época dele o diagnóstico não existia. No entanto, o que se comentava era que a biografia dele deixava vários indícios disso. Mas algo é certo: algumas dessas crianças especiais são geniais. Obrigado pelo seu comentário em meu blog. Foi muito carinhoso e estimulante. Um abraço, Diego Moreira.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada pelo comentário, Diego! E espero mesmo que voltes a atualizar o teu blog!
      Muitas especulações foram feitas em torno das angústias de Van Gogh. Eu confesso que li sua biografia sem me importar tanto com nomenclaturas de transtornos... É como também tenho olhado ultimamente para as minhas angústias: sem nomenclaturas. Temos esta mania de generalizar tudo, tentar dar 'nome aos bois', com a desculpa de nos sentirmos incluídos em grupos de 'doentes'.
      Não tenho tanto conhecimento sobre autismo, aliás, quase nada, mas imagino que crianças mais introspectivas tem a oportunidade de transformar esta reclusão em alguma sensibilidade... artítica, por que não?! Mas imagino mesmo que são especiais, no melhor sentido desta palavra!
      O que sei da infância do Van Gogh é que foi afastado de casa, da família (do pai, principalmente) para seguir seus estudos em outra cidade... E isso, sim, mexeu muito com a mente do menino, talvez ele nunca tenha se recuperado da tão famosa cena, descrita em suas cartas, do pai indo embrora na charrete amarela, deixando-o no internato.
      Mas com certeza sua história e do seu filho é bem diferente disso tudo! Felicidade pra vcs!

      Excluir